Publicado em 06/05/24- Em sua coluna de 29 de abril , Joel Pinheiro da Fonseca argumentou que a centro-direita está muito fragilizada e que, por isso, precisa se aliar ao “bolsonarismo moderado”. Afinal, argumenta o colunista, não faltam exemplos de movimentos guerrilheiros ou mesmo terroristas que moderaram seu discurso e aceitaram a democracia. Por que não os bolsonaristas?
A discussão pode ser útil para estabelecer alguns limites.
Joel tem razão em dizer que muitos movimentos radicais de esquerda moderaram suas posições, em especial na América Latina dos anos 90. O PT, a Frente Ampla Uruguai, estão todos cheios de ex-guerrilheiros.
Pois bem. Quem, na esquerda sul-americana, não moderou? Ó chavismo. Porque? Porque o chavismo era um movimento militar. Tentaram uma quartelada nos anos 90, foram presos, foram anistiados com argumentos muito parecidos com os usados agora para normalizar Bolsonaro, chegou ao poder, deu no que deu. Se o sujeito tem infiltração no Exército, como Chávez ou Bolsonaro, ele não precisa moderar.
Entre os eleitores de Bolsonaro há pessoas razoáveis, brasileiros decentes e capazes que têm todo o direito de participar da política brasileira. A direita democrática deve lutar pelos seus votos, recrutá-los como militantes, lançá-los como candidatos, ouvi-los na formulação do seu programa. Nenhum deles precisa deixar de ser de direita.
Agora, a tarefa da direita moderada é deixar os bolsonaristas. Se ela não é forte o suficiente para mudar a ideia de Jair, não vejo por que seria forte o suficiente para moderá-los no governo.
Afinal, como o próprio Joel confirmou, os bolsonaristas não admitiram que Jair tentou um golpe. Se primeiro abraçados pelo centro, Jair e os demais golpistas serão anistiados e reincorporados à política brasileira. O próximo golpe já será encomendado: os políticos bolsonaristas ainda serão vencedores no jogo, e talvez sejam de volta ao poder, quando os coronéis que pretendiam apoiar o golpe em 2022 se tornarem gerais.
Veja bem, Joel, eu adoraria que Tarcísio ou Caiado fizesse, para usar a expressão de Nikolas Ferreira, testosterona suficiente para enfrentar Jair. Mas que sinal disso eles deram até agora? Já condenaram o golpe, já se pronunciaram sobre a investigação da PF, já defenderam a prisão do Jair? Aliás: a mídia tem obrigado a fazê-lo? Isso foi assunto em alguns desses eventos empresariais que eles frequentam?
Quando a minha geração fez o trajeto da moderação do marxismo para a centro-esquerda, nós só ganhávamos medalhinha de centrista quando virávamos o Tony Blair, o Palocci, algo assim. No Brasil de 2024, se o direitista aparece dizendo que às vezes tem ereção sem pensar no Ustra, todo mundo já grita “ó só, reencarnou o Tancredo”.
Bolsonaro está solto e fazendo comícios, a bancada do golpe preside comissões importantes no Congresso e recruta apoios nos Estados Unidos para a próxima ofensiva contra a democracia brasileira. A normalização do bolsonarismo precisa ser revertida, não aprofundada.
E, sinceramente, não quero voltar ao segundo turno de 2018, quando gente com reputação de centrista e equilibrado discutia sem pudor que risco de pau-de-arara eu deveria aceitar para que eles pudessem evitar o radicalismo de, vejam só, Fernando Haddad.
Gleisi Hoffmann, deputada federal, é presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores.
Postada originalmente no Blog do Esmael